Num mundo cada vez mais voltado para a mobilidade elétrica, alguns constrangimentos ao nível das cadeias de fornecimento poderão causar dificuldades na total transição para a condução EV.
Estima-se que cerca de 30% das emissões globais de CO2 sejam causadas pelo setor dos transportes, seja de pessoas ou de mercadorias, o que faz com que os veículos elétricos (EV) sejam um passo importante para o combate às alterações climáticas, uma vez que este tipo de mobilidade apenas emite a quantidade de CO2 respetiva àquela da própria produção da energia e do veículo. Em casos ótimos, caso a energia produzida por fontes renováveis, o nível das emissões totais de CO2 desce drasticamente.
Tendo isto em mente, é esperado que a produção de baterias para veículos EV cresça seis vezes até 2030 na Europa, sendo esperados números semelhantes do outro lado do oceano Atlântico. No caso europeu, isto significa uma capacidade suficiente para produzir cerca de quinze milhões de veículos EV, o que corresponde a cerca de 14% da produção mundial. Para isso, obviamente, são necessárias matérias-primas para a produção de baterias e um dos componentes chave é grafite, que toma cerca de 30% da massa total de uma bateria para veículos elétricos.
Em termos físico-químicos, a grafite é possivelmente o mineral perfeito para a produção de baterias, já que está capacitado de uma qualidade inegável: reversibilidade. Isto significa que a grafite é capaz de fazer com que os iões de lítio intercalem a forma como a bateria armazena energia. Quando essa energia é extraída da bateria, a grafite é até capaz de a reverter e recuperar a energia da forma mais eficiente possível.
Ainda assim, o uso de grafite apresenta um grave problema a longo prazo já que é esperado que a procura a nível mundial por este mineral possa crescer cerca de 500%, comparativamente a números de 2018, com a maior fatia deste bolo a ser repartida entre as indústrias da produção de aço – onde grafite é usada na produção das fornaças – e na produção de baterias para veículos EV. Um estudo do The Hague Centre for Strategic Studies (HCSS) prevê que cerca de 26% da futura procura total de grafite seja para a produção de baterias. Tudo isto cria constrangimentos a nível económico, estratégico e até climatérico.
Apesar dos desenvolvimentos tecnológicos e aumento da produção de baterias de lítio, o que reduziu os custos de produção em cerca de 90%, é esperado que os preços das matérias-primas continuem a aumentar. Isto deverá causar uma menor acessibilidade em termos de custo ou/ e também uma perda geral nas margens dos fabricantes. Desta forma, é essencial assegurar uma estrutura de fornecimento constante e seguro, para responder também ao aumento da procura pela transição para sistemas de energia limpa.
São já muitos os fabricantes e grupos que, ao anteverem dificuldades no fornecimento de matérias-primas, celebraram contratos que permitem chegar mais perto da fonte destes materiais. A Tesla, por exemplo, assinou em janeiro um acordo com uma das maiores minas de grafite a nível mundial, em Balama, Moçambique, que permite a exploração de 80% dos recursos extraídos, tendo também acordado o fornecimento de lítio nos próximos três anos com a Ganfeng Lithium. Também a Volkswagen assinou contratos no mesmo enquadramento com outras empresas, sendo seguida pela GM, Toyota e Ford. Inclusive, o presidente dos EUA, Joe Biden, acionou o “Defense Production Act” para assegurar que as matérias-primas necessárias para a produção de baterias são efetivamente destacadas para esse fim.
Mas a importância das matérias-primas não passa só por isto. É também necessário ter em conta que grande parte destes minérios são escavados em zonas geopoliticamente instáveis onde a indústria mineira pode ter um impacto positivo ou negativo. Ainda para mais, nem toda a grafite é adequada especificamente para a indústria EV, já que a grafite sintética é a preferida para a produção de baterias, já que apresenta uma maior longevidade e capacidade de carga mais rápida. Isto significa que o mercado da grafite sintética deverá afunilar cada vez mais à medida que o tempo passa. Uma vez que os problemas ambientais são um fator extremamente importante, é possível que os produtores de baterias possam cada vez mais virar-se para a grafite natural e novos métodos de processar este mineral.
Isto significa que a cadeia de distribuição de grafite pode sofrer constrangimentos significativos nas próximas décadas, uma vez que é até esperado que a procura ultrapasse a produção já em 2023. Como causa para este fenómeno existem vários fatores em jogo, nomeadamente o facto de a produção de grafite ser extremamente dispendiosa em termos económicos e energéticos. Desta forma, o processo de produção chinês (o maior produtor de grafite a nível mundial) grafite sintética é altamente intensivo em energia e isto significa que é mais difícil para os fabricantes justificar o uso de materiais como grafite sintética em produtos promovidos como “verdes”.
Ainda para mais, depender de um único país para o fornecimento de um material considerado crítico para as tecnologias de energia limpa é um risco significativo, já que esse país tem a possibilidade de restringir a exportação desse mesmo material – por razões geopolíticas ou consumo doméstico – excluindo outras potências económicas da matéria-prima essencial. Isso representa uma perspetiva preocupante, considerando que, a partir de 2022, a produção de grafite esférica purificada deverá ser feita 100% na China.
Tudo isto poderá causar severos constrangimentos à transição EV. Em adição, desenvolver uma mina e processar os minérios extraídos é um processo longo e extremamente dispendioso, especialmente no caso da grafite. Ainda assim, produtores de grafite a nível mundial começam a olhar para novos processos e tecnologias de forma a obter CSPG (coated, spherical, purified grafite) de forma a reduzir o impacto energético, ambiental e económico. Ainda assim, é necessária uma ação em relação à diversidade geográfica da produção de grafite para que, no futuro, seja uma indústria global capaz de responder às necessidades do planeta.
Por: Nuno Freitas Faria